quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A folha e o pirilampo

    Era uma árvore bonita, de grandes braços abertos à claridade das manhãs.
    Um dia, já quase no findar do outono, ela reparou, com grande espanto, que por mais forte que soprasse o vento, por mais impiedosas que tombassem as primeiras chuvas a anunciar o inverno, uma pequenina e teimosa folhinha continuava bem agarrada a um fino tronco, lá no cocuruto da sua cabeça!
    E ao cair de certa tarde, resolveu falar muito a sério com ela. Só que… a conversa de nada valeu! E a árvore não teve outro remédio senão justificar-se – o que nunca, em tantos anos da vida, nunca, lhe tinha acontecido:
    – É a minha filha mais nova, senhor vento. Tem medo de se largar! Diz que nasceu lá muito no alto…
    – Medo?! Medo de quê?! – admirou-se o vento. Quando eu sopro, todas as folhas se soltam com alegria, esvoaçam por uns instantes no ar e depois poisam suavemente no chão. Sempre foi assim!
    – Eu sei, senhor vento. Mas a minha filha é muito pequenina e não está habituada a cair assim de qualquer maneira. Diz que tem medo de se magoar! Temos de ter paciência.
    O vento aninhou-se por ali, à espera.
    Cá em baixo, rente ao chão, esta conversa já estava a preocupar um pirilampo que começava a sua lida. A certa altura, ouviu uma voz aflita que lhe pareceu vir de muito alto:
    – Mamã, não me digas que é muito fácil e não custa nada! Eu sei muito bem que já me devia ter largado no vento… mas agora não! Não vejo nada! Não sou capaz de saltar nesta horrível escuridão! Amanhã…
    – Nem amanhã, nem depois de amanhã! A menina ouviu?! É agora! Onde é que já se viu uma folhinha ter medo de cair?!
    – Não vejo o caminho… – soluçou a folha, cada vez mais aflita.
    – Espera aí! Espera aí! – acudiu o pirilampo, esforçando-se por subir em voo vertical.
    E muito iluminado, de tanto esforço, lá conseguiu aterrar mesmo no meio da folhinha.
    O seu peso foi o suficiente para se largarem os dois no espaço, baloiçando em jeito de disco voador mal tripulado.
    Quem nessa noite passasse por ali era muito capaz de sorrir ao ver um pirilampo muito bem aninhado numa folha, dormindo os dois no chão, ao luar, o seu soninho descansado.

Maria Alberta Menéres, Histórias de tempo vai tempo vem, 7.a ed., ASA, 2007

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